domingo, 20 de setembro de 2009

De “Iracema”, “A Pata da Gazela” à “A viuvinha”



De todos os autores da literatura brasileira, certamente José de Alencar, não era o seu preferido, mas mesmo assim algumas de suas obras relembram fatos vivenciados pela garota ao longo de sua vida.

Do tipo mignon, não era nenhum exemplar de beleza, tinha seu próprio estilo, o que chamava atenção de muita gente, por mais que quisesse passar despercebida. Dona de cabelos longos e negros como a noite sem luar, como as asas da graúna, como os de Iracema, como lhe dissera alguém que posteriormente faria parte de sua vida.

O mundo lhe era pequeno, pois queria alçar vôos tão altos como Fernão Capelo Gaivota. Cheia de sonhos, mesmo com medo, voou para fora do ninho.

Tropeçou não só em pequenas pedras, mas em altas montanhas também, pois a vida não lhe sorria na maioria das vezes.

Conheceu gatos e ratos, príncipes e plebeus, rainhas e bruxas. Despertara para a vida e percebera que precisava para ser sobrevivente no lixo social em que vivia, tomar rédeas de seu destino. Queria ser autora de sua história de vida. Queria ser engenheira de novos pensamentos e novas emoções. Não deixaria que normas e regras alguém lhe ditasse, lhe impusesse. Mas a menininha temerosa tinha se aprisionar dentro de si mesma, se quisesse sobreviver naquele mundão de meu Deus.

Sabia que era apenas uma caminhante e que havia muita estrada a percorrer.
Revestira-se de verniz social e foi-se aos poucos, tímida e gradativamente se fortalecendo diante dos embates que a vida lhe impusera.

Aprendeu que rir de si mesma era um bálsamo salutar.

Um dia em um dado momento de sua vida, sentiu-se como personagem de Chico Buarque, pois estatelada no asfalto ficara, atrapalhando o tráfego de uma avenida movimentada. Foi essa tragédia, quase igual à de Macabéia, que mudara o percurso de sua vida, que fez atrasar seu projeto de vida em um ano.

Nada é por acaso. E foi em conseqüência desse atraso que a vida colocou-a diante daquele que inevitavelmente mais tarde seria seu marido.

Inicialmente, o jovem intempestuoso, ousado a amedrontava, pois eram de mundos diferentes, de galáxias distantes. Mas o jovem disposto estava em manter contato nem que fosse de quinto grau, já que a garota era muito arredia. Esta se colocara em uma redoma de vidro blindado e se protegia do gigante Adamastor, era o via.

As investidas foram tantas que minaram os muros de proteção da garota. Surgira então uma bela amizade. Trocas de desenhos, de poemas, de conversas desconexas, de segredos, de sonhos faziam parte daquela amizade ainda frágil.

Não eram apenas os cabelos negros da garota como os de Iracema que chamavam a atenção do jovem, que não se contentava tão somente com a amizade.

Os pés pequenos da garota como as patas de uma gazela, mereceram versos e rimas daquele jovem poeta e a mocinha se rendeu àquele sentimento novo, assustador, profundo, sincero.

O jovem, o gigante Adamastor. A garota, de cabelos negros e pés pequenos, Iracema e a pata da gazela, construíram então uma linda história de vida.

Juntos riram, sofreram, choraram, sonharam. Viveram, agora ela sabe, a mais linda história de amor. Agora ela tem a certeza que foi amada, foi muito amada.

Nada é por acaso. Tudo na vida, tem um início, um meio e um fim. Muitas luas se passaram desde aquele primeiro encontro, ele ousado e ela amedrontada.

Hoje, a Iracema de patas de gazela, transformou-se em a viuvinha, que sozinha não está, pois tem dois filhos que superama, mas ela sabe que a saudade do poeta jamais será resolvida, e que a perda e a ausência muitas vezes são asfixiantes.

Ela, a Iracema de patas de gazela, agora a viuvinha daquele jovem, tem certeza que a dor que viveu poderia tê-la destruído ou construído. Resolveu deixar que a dor a construísse para que possa reescrever sua história, nem que para isso, terá de recolher seus pedaços.

Neste momento de refazimento, aprendeu que todos somos reféns de algum período de nosso passado, pois o que se vive não se apaga. Quando vale a pena recordar, não há necessidade de exorcizar o que viveu.

Aprendeu ainda, a viuvinha, que ninguém morre, quando se vive em alguém, e o poeta vive intensamente na alma daqueles que o amam verdadeiramente.

A viuvinha sabe que é preciso aprender a trafegar sem medo nesse caminho que está a sua frente, mesmo que às vezes se sinta sozinha.

Cury lembra em uma de suas obras que “Epicuro disse se quisermos vencer, devemos gravar em nosso espírito o alvo que temos em nossa mente. Einstein disse que há uma força maior que a energia atômica: a vontade! Confúcio comentou que muito de nós mesmos e pouco dos outros. Pascal disse que para quem deseja ver, haverá sempre luz suficiente; para quem rejeita ver, haverá sempre obscuridade; Sófocles disse que quem procura, encontrará, pois o que não é procurado permanece para sempre perdido.”

E a viuvinha quer encontrar o elo perdido, quer despertar a porção águia que existe dentro de si e das cinzas renascer como fênix, pois percebeu que diante da dor e da morte, não é gigante, nem heroína, e sim sobrevivente.

- Margareth Krause -

Um comentário:

Ricardo disse...

Todos somos, Maga, todos nós.
Reconstruamos-nos então.